Na Justiça do Trabalho, partes contribuem para a moralidade processual
Vêm sendo emblemáticas as decisões de juízes do Trabalho por litigância de má-fé e falso testemunho em reclamações trabalhistas ajuizadas em todo o país por trabalhadores, a indicar uma mudança de postura nessa Justiça especializada, depois da entrada em vigor da nova lei trabalhista (13.467/2017).
Ora, as medidas protetivas voltadas ao trabalhador sempre constituíram um pilar da Justiça do Trabalho.Para assegurar uma jurisdição mais efetiva observava-se o princípio da norma mais favorável ao empregado frente à desigualdade existente entre as partes, detectando-se uma certa leniência na aplicação de penalidades contra o litigante de má-fé, realidade que se prestava a incentivar sua prática.
Neste novo cenário, há que se ressaltar que o advogado somente será solidário ao cliente na litigância de má-fé se houver ele contribuído para esse dolo, mas responderá em ação própria.
Antes da reforma, a Justiça empregava dispositivos do Código de Processo Civil para tratar dos danos da litigância de má-fé, mas agora ela está tipificada na lei (artigos. 793-A e 793-D), como sendo a alteração da verdade dos fatos, a busca por objetivo ilegal, protelação do andamento do processo, atuação de modo temerário, etc.
Prevê ao litigante de má-fé multa superior a 1% e inferior a 10% do valor corrigido da causa, indenização à parte contrária e pagamento dos honorários advocatícios.
Antes, a condescendência ao trabalhador acabou por judicializar os conflitos trabalhistas.
Agora, em nova perspectiva, a Justiça Trabalhista vem abandonando o paternalismo e punindo aqueles que desejam burlar a lei.
O primeiro exemplo veio da 3.ª. Vara do Trabalho de Ilhéus (BA), na qual o juiz José Cairo Junior , no primeiro dia de vigência da nova Lei trabalhista, condenou duas testemunhas em ação trabalhista por falso testemunho e ao pagamento de 9% do valor da causa.
O autor da ação também foi condenado a pagar as custas do processo e os honorários sucumbenciais. Ele era contratado de uma empresa agropecuária e reivindicava indenização de R$ 50 mil por ter sido assaltado quando se dirigia ao trabalho.
O juiz alegou que não havia como atribuir ao empregador o incremento da violência na região e que o fato não poderia ser considerado acidente de trabalho. Também se lhe negaram as alegadas horas extras, com base na não concessão integral do intervalo intra-jornada por contradição.
Na inicial, constava que o trabalhador tinha 30 minutos de intervalo para o almoço; mas no depoimento ao juiz disse que tinha um intervalo de uma hora de almoço.
Igualmente, no Rio de Janeiro, a juíza da 28.ª Vara Trabalhista do Rio de Janeiro, Claudia Marcia de Carvalho Soares, condenou um trabalhador por litigância de má-fé, ao tomar conhecimento de mensagens trocadas com um colega de trabalho, afirmando que pagaria R$ 70 pelo depoimento dele e que também iria depor no processo dele contra o mesmo empregador.
Na ata da indicada audiência, a magistrada ressaltou que ‘a sociedade precisa perceber que a Justiça do Trabalho não é palco para teatro e mentiras, é uma Justiça social que deve acima de tudo buscar a verdade dos fatos, independentemente de quem a verdade vai proteger’.
Nesse passo, a prática da litigância de má-fé perpassa a hierarquia, atingindo dos trabalhadores de chão de fábrica até altos executivos.
Tanto que o Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª. Região manteve entendimento de 1.º. Grau, no caso de um presidente de banco, que pedia o pagamento de valores que já tinha recebido em negociação extrajudicial. Por isso, ele foi condenado a pagar R$ 9,2 milhões.
Essa nova postura acena para o fim do descumprimento abusivo do ordenamento jurídico trabalhista, seja de uma parte ou outra na relação capital-trabalho, e edifica uma nova ponte, mais justa para os dois lados.
Anteriormente à vigência da reforma trabalhista, juízes obviamente já haviam multado trabalhadores e testemunhas por litigância de má-fé e falso testemunho.
Na 39.ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, por exemplo, o juiz Pedro Paulo Ferreira condenou uma testemunha por falso testemunho ao pagamento de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça. “A referência ética das testemunhas, como atores do processo tem se mostrado completamente distorcida, não existindo nenhum respeito pelo Judiciário Trabalhista, que já está cansado de ser palco de mentiras”, afirmou.
A nova postura deixa evidenciada que, agora, quem (empregado ou empregador) alterar ou omitir a verdade dos fatos no curso do processo trabalhista, induzindo o juiz a erro, pode sofrer as consequências pecuniárias de seu ato.
Dessa forma, empregado e empregador ganham responsabilidade na moralidade processual e deixam de ser tratados de formas diversas pelo mesmo Juízo.
Fonte: Estadão.
*Advogada, conselheira da OAB-SP, do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos e do Conselho Superior de Relações do Trabalho da FIESP e da AAT-SP