Reforma trabalhista limita indenização das vítimas de Brumadinho a apenas 50 vezes o seu salário
A reforma trabalhista que passou a valer em novembro de 2017 limita a indenização a vítimas de tragédias, como a de Brumadinho (MG), a apenas 50 vezes o salário que recebiam atualmente, estabelecendo valores diferentes para vítimas da mesma tragédia.
Antes da reforma, a indenização por dano moral aos trabalhadores poderia ser maior.
A reforma foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada por Michel Temer. Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo, então deputados federais pelo PSC, votaram a favor da reforma. É de Bolsonaro a frase: “O que o empresariado tem dito pra mim, e eu concordo, é o seguinte: o trabalhador vai ter que viver esse dia. Menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego” (JP 05/02/2018). Ou então: “ser patrão no Brasil é um tormento”.
“As indenizações às famílias de todos os que estavam trabalhando na Vale estão limitadas a 50 vezes o salário deles graças à reforma trabalhista”, denuncia Ronaldo Fleury, procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“É uma das maiores tragédias trabalhistas da história do país. A grande maioria das vítimas são trabalhadores que perderam suas vidas nas dependências da empresa”, afirma o procurador-geral.
“Essa tragédia demonstra a precariedade das condições de trabalho a que estão expostos os trabalhadores no Brasil e a imprescindibilidade dos órgãos de defesa dos direitos sociais”, frisou.
O artigo 223-G da lei 13.467/2017, que trata da reforma, diz que há uma gradação para a concessão do dano moral que levaria em conta uma série de fatores com base em uma escala de gravidade. Para danos morais gravíssimos, o teto ficou em 50 salários do último salário do trabalhador.
Conhecida no meio jurídico como “tabelamento” de danos morais, a lei diz que uma pessoa que, por exemplo, recebia R$ 1 mil como salário, poderá ser indenizada entre R$ 3 mil e R$ 50 mil. Enquanto outro funcionário com salário, por exemplo, de R$ 10 mil, poderá receber indenização com valores entre R$ 30 mil e R$ 500 mil. Pela nova lei trabalhista, a indenização mínima é de três vezes o valor do último pagamento do funcionário atingido.
Entre as vítimas da tragédia provocada pela Vale na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte, estão vários funcionários da mineradora. A Vale divulgou uma lista com 252 nomes de funcionários com os quais não conseguiu contato.
Para os especialistas, essa regra é inconstitucional. “A Medida Provisória 808 do (Michel) Temer modificou essa parte. Mas perdeu validade no Congresso. Mas é inconstitucional. Você não pode mensurar a vida humana pelo que ela ganha”, diz o advogado Francisco Bueno, especialista em direito do trabalho.
Luís Carlos Moro, advogado trabalhista, secretário-geral da Associação Americana de Juristas e presidente da Delegação Brasileira da Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho, afirma que “o dramático caso de Brumadinho, de 25 de janeiro de 2019, deplorável por todos os aspectos, lança luz sobre a questão da tarifação dos danos trabalhistas”. “Isso porque o rompimento da barragem exemplifica, de forma exponencial, como o legislador se enlameou ao tarifar os danos morais e estabelecer um inadmissível teto para as indenizações por danos extrapatrimoniais”.
Em dezembro, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade 5870 contra essa regra da reforma no Supremo Tribunal Federal (STF). Gilmar Mendes é o relator do caso. A procuradora-geral da República Raquel Dodge pronunciou-se a favor do pedido da Anamatra, ou seja, pela inconstitucionalidade da regra.
“A Anamatra vinha alertando que, nos casos envolvendo acidentes de elevada gravidade, as limitações estabelecidas pela Reforma Trabalhista para as indenizações extrapatrimoniais gerariam extrema injustiça. Com esse horrível quadro de Brumadinho, a reforma passa a representar um contexto de iniquidade às famílias que pretendam reclamar, em juízo, pelos óbvios danos morais decorrentes da morte de seus entes queridos”, afirma o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano.
“A despeito das responsabilidades criminais a serem apuradas, esse evento configurou um dos maiores e mais graves acidentes de trabalho do país. Portanto, há uma responsabilidade trabalhista que deve ser investigada e configurada”, diz Feliciano.
“Você coloca um preço na vida. O sofrimento de perder um parente custa no máximo esse valor. Isso é complicado até pelo caráter pedagógico para a empresa. Uma das funções do dano moral é que, sem causar enriquecimento ilícito, seja pedagógico para que o empregador nunca mais volte a causá-lo”, explica Ivandick Rodrigues, professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado trabalhista.
Fonte: Hora do povo